Libera Femina
Eu vi seu corpo bailando entre a terra e o céu. Ela corria. Corria. Não parecia desespero. Não se diagnosticaria pressa. Saltava. Vestia branco. Havia algumas nódoas oportunistas no seu vestido. Babados. Véus. A meia sofrera com os obstáculos que se impunham em seu caminho. A maquiagem já não era aquela da primeira hora. Era outra. Combinava com o seu estado. Seus cabelos não tinham cor precisa e bailavam com o vento. Deliciosa. Fresca. Corria.
Numa das mãos da fugitiva, notei estranho troféu confeccionado de rosas brancas e laços de fitas.
Ela nunca olhou para trás. Figura sedenta. Passava entre os carros, sobre poças, ignorava o escaldante asfalto mesmo sem já possuir calçados que protegessem seus pés. Qual? Sentimentos terrenos, dó, solidão, culpa, medos? Pertences pesados de uma vida esparramados, abandonados pelas vielas que a moça atravessava, e ela já não sufocava, respirava ofegante a delícia de ser.
Abandonava um passado mui recente. As dores da existência pretérita esvaia-se enquanto ela flutuava. As dúvidas, esquecidas. As cobranças sociais, familiares, profissionais... Se existiram, agora é pó. Pó, de potência que a impulsionou a correr em direção a si mesma. Aquela que ela estava construindo sem nem saber. Aquela si mesma apagada há pouco para ser redesenhada com as formas, as cores, a vibração, a pulsação que emerge de dentro do seu âmago e explode na sua caminhada fominha de liberdade.
Afirmar que sentia qualquer dor seria acusação leviana; poderia dizer que atravessava as gentes todas. Multidão sem rostos. Povo intrigueiro que não se furtava em utilizar seus olhos e língua como punhais. Não a atingia. Depois de sentir-se poeira, nuvem, vento, brisa...nem o divino a atingiria!
Ela voava.
Tentávamos adivinhar o segredo daquele espetáculo. Mortais bisonhos.
Boquiaberto a acompanhei até meu pobre limite contado em 180º; até onde a vista deficiente me podia levar.
Quis correr...
A moça flutuava. Perdia-se no além. Deixava para trás a rodovia em espanto. Alheia a tudo. A caminho do mundo.
Gueu Nogueira - Geocomunicóloga soteropolitana: Misturo Geografia com Comunicação, bisbilhoto o cotidiano e escrevinho umas notas.
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